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   Nosso primeiro número de MEMÓRIAS DA FERROVIA aparece como tribuna de onde o passado vai nos falar de trens. Mais do que isso, talvez, vai nos falar de pessoas e de trilhos, dessa relação simbiótica que um dia inaugurou a paixão pelas viagens. Locomover-se sobre rodas graças a uma máquina, fazer-se engolir por uma serpente de ferro, percorrer espaços, deixar-se levar por um invento que mudou a face do mundo... Sim, porque os trens foram decisivos no surgimento de povoados, depois, de cidades.

 

   Esse privilégio fecundo, o de promover a chamada civilização, pertencia apenas aos rios, todavia, desde o surgimento das linhas férreas, que foram ampliando o domínio geográfico do homem sobre o solo, essa fecundidade reaparece no mundo sob uma nova forma. As máquinas impuseram mudanças. E exigiram homens que as dominassem. Assim, com as ferrovias, nasceram os ferroviários. E a história dos trens é, fundamentalmente, a história da categoria ferroviária. Seu discurso é a fala do trem. É nosso desejo fazer ouvir esta voz, patrimônio memorial das ferrovias que um dia alavancaram a história.

 

   Acreditamos que pesquisar, registrar e divulgar essas memórias em uma revista cultural é inovador, sobretudo, porque nossa pretensão não se confunde com aquele que o historiador elege para si, quando investiga causas e consequências, quando traça uma linha cognitiva, quando descobre sentidos e formula hipóteses. O que buscamos identificar são conteúdos de ordem ideológica que se deixam perceber e descobrir nas mais diversas formas que existem para fixação de memórias, sempre dinâmicas, sempre pensando o passado a partir do presente e do futuro e reforçando, assim, identidades coletivas e individuais.

 

   A história das ferrovias já vem sendo contada, e muito bem contada, pelos que se entregam a esta tarefa, desempenhando-a sob as mais variadas perspectivas. História, vale dizer, não se confunde com memória. A primeira requer cognição e é atravessada por uma racionalidade que precisa ser justificada, só assim legitimando-se como saber. A história precisa de um passado efetivamente colocado no passado, um passado que passou, que pode ser estudado, analisado e pensado com crítica e distanciamento; a memória, por sua vez, seja ela pessoal ou coletiva, é ideológica, humana, afetada por sensibilidades e sociabilidades. Memórias sobre um mesmo fato possuem conteúdos profundamente diferentes e, não raro, completamente divergentes.    

 

   Onde buscar então essas memórias da ferrovia de que falamos senão que nas marcas de subjetividade daqueles cujas vidas se passam ou se passaram nos trilhos? Em suas falas, em seus discursos, em seus silêncios, em fotografias, em arquivos, em jornais, em revistas, onde se descobre o cotidiano de ontem e o de muito antes de ontem. Priorizando imagens e discursos na ordem da subjetividade, nosso objetivo maior é despertar a imaginação, porque memória se faz com sentimentos, com toda espontaneidade que nos leva a articular visões iconográficas que se expandem para muito além do fato, buscando, na metáfora, o dado artístico.

 

   A razão de ser dessa iniciativa e de sua opção pela memória justifica-se pela identidade dos parceiros com o tema. Esta identidade é perceptível através dos valores e da tradição representados por cada dado apresentado, desde a peculiaridade de uma narrativa autobiográfica ligada à ferrovia (entrevistas), a história de um acidente de intensa repercussão, a raridade de uma fotografia, a peculiaridade de um objeto ou de uma coleção de objetos, a perpetuação de uma prática laboral, de uma técnica, de um agir, de um pensar, de um fazer.

   

   A periodicidade da publicação deve atuar como reforço, ratificando essa identidade de modo crescente. Uma memória ferroviária passa necessariamente por pessoas e trilhos, por uma identidade ferroviária. Nesse sentido, ninguém mais legitimado a tomar a iniciativa de sua divulgação do que um sindicato paulista, estado onde a ferrovia fez e faz toda a diferença como modal, seja no transporte de carga, seja no de pessoas.

 

   O SINFERP ― SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EMPRESAS FERROVIÁRIAS EM TRANSPORTE DE PASSAGEIROS DA ZONA SOROCABANA compreende que sua ação não deve se limitar às reivindicações de ordem laboral que acontecem no interior das assembleias e dos tribunais. Por isso, refletindo sobre sua atuação como entidade social, decidiu criar duas interfaces, uma cidadã, ― SINFERP CIDADÃO, promovendo o modal ferroviário com a campanha SÃO PAULO TREM JEITO, e uma cultural, ― SINFERP CULTURAL, em parceria com o IPMS ― INSTITUTO DE PESQUISA EM MEMÓRIA SOCIAL, instituição sem fins lucrativos, integrada por pesquisadores com formação intelectual multidisciplinar voltada à pesquisa, registro e divulgação da memória social. 

 

   MEMÓRIAS DA FERROVIA, publicação seriada editada pelo IPMS, é produto dessa parceria. Nesse primeiro número, edição especial de lançamento, destaque para a entrevista exclusiva que nos foi concedida por Raphael Martinelli, verdadeiro ícone da memória sindical paulista, senão mesmo nacional e internacional. Paulo Roberto Filomeno, engenheiro e articulista, conhecedor profundo do modal ferroviário, assina um artigo onde aborda as profissões ferroviárias frente ao impacto produzido pelas novas tecnologias. Além disso, outros artigos voltados à discussão de temas conexos a essa relação inesgotável que acontece entre pessoas e trilhos.

 

 

OS ORGANIZADORES

EDITORIAL

Fotografias manipuladas em diversos programas de edição. Crédito: MTomasini.

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